A pequena bomba artificial foi implantada para aliviar o esforço realizado pelos enfraquecidos músculos cardíacos do paciente.
Mas, para Carlos, os batimentos do aparelho pareciam ter substituído sua própria pulsação, provocando uma estranha sensação que acabou distorcendo a imagem que ele tinha de si mesmo. Era como se seu peito tivesse ido parar no abdômen.
Quando conheceu Carlos, o neurocientista Agustín Ibañez, da Universidade Favaloro, em Buenos Aires, logo suspeitou que outros efeitos estranhos estavam por acontecer. Para Ibañez, ao mudarem o coração daquele homem, os médicos também mudaram sua cabeça.
Carlos agora pensava, sentia e agia de maneira diferente por causa do implante.
Sintonia corporal
Egípcios retiravam o cérebro dos mortos e mantinham o coração intacto
Sempre falamos em "seguir o que o coração manda", mas só recentemente pesquisadores começaram a entender como o órgão contribui para as nossas emoções e o misterioso sentimento de intuição.
A noção já era antiga - basta lembrar que, ao embalsamar corpos, os egípcios mantinham o coração intacto enquanto não viam problemas em retirar do morto seu "recheio craniano".
William James, fundador da psicologia moderna, ajudou a formalizar essas ideias no século 19, ao sugerir que os sentimentos fazem parte de um ciclo de comunicação entre o corpo e o cérebro.
Ele levantou também a seguinte questão: se cada pessoa tem uma consciência corporal diferente, elas também sentiriam emoções de maneira diferente?
Suas ideias foram colocadas à prova recentemente por um grupo de cientistas da Universidade de Munique, na Alemanha. Eles pediram que voluntários contassem seus batimentos cardíacos apenas com o que sentiam no peito, sem tocá-lo. Um em cada quatro acertou metade da contagem, enquanto outro quarto conseguiu 80% de precisão.
Depois disso, os voluntários foram submetidos a vários testes cognitivos. E foi aí que as teorias de James se comprovaram: aqueles com mais consciência de seus corpos tenderam a ter reações mais intensas a imagens emotivas, além de descreverem melhor seus sentimentos. Eles também reconheciam mais as emoções em outros rostos e eram mais rápidos ao reagir a uma ameaça.
Em outras palavras: as pessoas que estão sintonizadas com seu corpo tendem a ter uma vida emocional mais vívida, tanto nos bons quanto nos maus momentos.
Esses sinais secretos do corpo também podem estar por trás da nossa intuição – aquela sensação indefinível de que algo está prestes a acontecer.
Um estudo na Universidade de Exeter, na Grã-Bretanha, examinou voluntários enquanto eles jogavam cartas. O autor da pesquisa, o psicólogo Barney Dunn, afirma que aquelas pessoas que conseguiam contar seus próprios batimentos cardíacos com mais precisão tendiam a fazer escolhas que indicavam que eles seguiam mais sua intuição.
Por isso, pode ser verdadeira a noção de que as pessoas mais "sintonizadas" a seus corações tendem a se guiar mais por instinto.
Cura para a depressão?
Para psicólogos, uma sintonia maior com o coração pode alterar as emoções
Voltemos então a Carlos. O que acontece com esses sentimentos quando você tem um coração artificial? Será que o fato de ele ter percebido mudanças em sua vida pode ser uma prova de que nossas mentes vão além do cérebro?
O neurocientista Ibañez conseguiu observar exatamente isso. Carlos só conseguia descrever as batidas do aparelho como sendo as pulsações que ele percebia. Ele também parecia não reagir com empatia quando via imagens de pessoas envolvidas em um grave acidente.
Carlos ainda teve dificuldades em perceber as emoções e intenções de outros indivíduos e, fundamentalmente, parecia ter perdido a capacidade de tomar decisões intuitivamente – tudo conformado à ideia de que o coração comanda a cognição emocional.
Infelizmente, Carlos morreu por causa de complicações em outros tratamentos, mas Ibañez espera poder continuar seus estudos em outros pacientes.
Ele atualmente está fazendo testes em pessoas que receberam transplante completo de coração e investigando se um defeito na ligação entre o corpo e o cérebro poderia levar a um transtorno da despersonalização - que faz com que pacientes tenham a estranha sensação de não viverem em seus próprios corpos.
Já o psicólogo britânico Barney Dunn acredita que as pesquisas do argentino podem ser importantes para o tratamento da depressão. "Atualmente, as terapias se concentram demais em tentar mudar a maneira de um paciente pensar, e esperar que isso transforme também suas emoções", afirma.
Mas mesmo quando alguns pacientes passam a pensar positivamente, muitos têm dificuldade em sentir alegria, por exemplo – um problema que Dunn atribui a uma deficiência no sistema de comunicação entre as sensações e o cérebro.
Os cientistas acreditam ainda que pessoas com depressão profunda não conseguem achar seu próprio batimento cardíaco facilmente. Mas, para Dunn, isso pode ser aprendido com muita prática.
Fonte: BBC Brasil
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